Monday, April 2, 2007

Algumas notas sobre a Semiótica Cognitiva

Eis algumas das questões que me surgiram em relação a este texto.
Que aplicação pode ter, nomeadamente para as dimensões da produção (como usar as imagens para criar uma mensagem) e da recepção (como interpretar as imagens)? O que vejo são indicações para compreender o que significa a semiose e a sua ligação com a cognição, e como ambas se auto-elucidam.
Perguntas conexas: como conhecer através da imagem (que é o título do texto)? Como ensinar-aprender através da imagem? Não responde directamente a estas perguntas (nem tem intenção de fazê-lo) mas podemos procurar as implicações que se podem extrair das teses que apresenta.


Quais as teses principais
A defesa da uma iconicidade (hierarquizada, com graus) do pensamento e da cognição, uma continuidade (sem fusão) entre o digital e o analógico, o verbal e o imagético, em que o mais importante, a finalidade da cognição, é icónico-analógico (p. 5). Conhecer a realidade é construir modelos mentais, actividade que radica na mimesis original e segue as linhas de uma metaforização a partir de esquemas corporais de base. O conhecimento icónico é perspectivista, a imagem é sempre uma parte (tal como a percepção da coisa em relação à coisa, na fenomenologia husserliana) através da qual é visto o todo, de que o esquema é um exemplo.
O processo cognitivo depende também da relação com os signos visuais externos (também os linguísticos). Encontramos remissões para uma linha de “fundadores” e representantes que acentuam o papel da mediação semiótica, e portanto, da comunicação mediatizada, para o conhecimento (Goody, Ong, Lévy, mas também Vigotsky e Piaget). As representações visuais (idem as escritas) externas são tecnologias da inteligência, que retroagem sobre o pensamento e a cognição, mesmo tendo nelas sido originadas.
Em termos de aplicação (p. 37 e ss) fica, entre outras coisas, o projecto de estudar o modo como projectamos modelos mentais nas imagens que criamos (na p. 40 fala possibilidade de fazer uma reinterpretação em termos de operações cognitivas das investigações da Retórica da imagem) e como a interpretação é uma tentativa de reconstrução do modelo mental do produtor.

Que ensinamentos podemos tirar daqui?
O uso de representações visuais tem um papel que vai muito para além do estético e do ilustrativo, do exemplificativo, no processo cognitivo (e educacional). Nada de muito novo, poder-se-á dizer. Mas há uma fundamentação que mostra toda uma virtualidade cognitiva das imagens externas. E que se coaduna bem com uma abordagem, por exemplo, construtivista da educação. Por exemplo, variar metáforas para criar novos modos de ver o mundo ou as coisas, novas perspectivas. Idem para formar novas dissonâncias cognitivas que exigem a equilibração face aos conflitos com modelos pré-existentes ("a multiplicação dos pontos de vista está na origem do progresso do conhecimento", p. 17). O mecanismo metafórico de criação de significado por metonímia parece-me um dos melhores exemplos (ex de Charlot de Tempos Modernos, citado pelo texto). Podíamos pensar que se tratam de meras associações de ideias mas não são apenas isso, são reconceptualizações, melhor remodelizações, do real que são assim criadas ou sugeridas, ensinadas. Um esquema pode veicular um novo modelo mental para compreender um fenómeno. Meunier fala do livro como quadro para a formação de modelos teóricos (p. 39) e de como a forma reticular das novas tecnologias pode, como hipótese, ser a imagem esquemática de um novo modelo mental. E talvez tenha de ser imagem animada e já não fixa. E virtual a 3D. Mas neste caso estaremos ainda a falar de imagens?

Friday, March 23, 2007

Continuação do teste


Haverá uma mensagem tão diferente nesta imagem?

Teste


Podia idealizar-se um conjunto de testes para verificar a efectividade dos códigos. Exemplo: teste de variação de alguns elementos da posição esquerda/direita.

Algumas interrogações sobre a gramática visual de Kress e Leeuwen

1 Como sabemos que os signos provocam os efeitos supostos? Do estudo empírico a precisar de confirmação a uma gramática a priori, a questão põe-se do mesmo modo.
2 Análise da parte ao todo ou do todo à parte? A mensagem/significação depende sempre do todo. Será possível assumir significações determinadas (ex a localização de um determinado elemento na imagem, a perspectiva frontal/oblíqua)? Não dependem elas do todo, podendo nalguns casos o seu significado ser corrigido ou invertido? A questão é de saber se a descoberta/construção da mensagem por parte do intérprete se faz por análise (da parte para o todo) ou por insight (do todo para a parte, o que corresponderia à perspectiva da teoria da Gestalt, um dos outros “quadros teóricos para examinar como as imagens transmitem significado”, que Claire Harrison refere, p. 47). Ou isso é tratado pela dimensão composicional?
3 A interpretação é sempre consciente? O que significa interpretar? Reconstruir discursivamente em termos introspectivos a mensagem (ou passando depois a oral/escrito)?
4 Como se controla a interpretação? Das interpretações "objectivas" (o Paulo fez um quadro com o registo dos valores dos signos - à estruturalismo, valem por não serem as outras possibilidades) às interpretações mais "soltas", que não têm tanto apoio na gramática visual, e se baseiam em impressões, a virtude está no meio?
5 E ainda, como construir a análise, guiados pela imagem ou seguindo os itens da gramática? Ou é indiferente?
Nota: Ernst Junger tem um texto muito bom (entre outras coisas com implicações para a questão dos significados metafóricos) sobre o sentido simbólico valorativo de esquerda/direita, alto/baixo que se condensou na linguagem.

Sunday, March 18, 2007

Proposta do Grupo μ (análise parcial)

São sistematizadas 6 exigências a que uma teoria do signo icónico tem de responder (p. 133). Vou analisar apenas a questão da motivação.
Através do novo modelo triádico do signo icónico, pode-se esclarecer um equívoco do conceito de motivação, a saber, se se está a falar da relação significante-referente ou da relação significante-tipo. No 1º caso, temos um eixo em que se pensa a relação através do conceito de transformação (ao nível da recepção ou da produção), no 2º temos um eixo com vectores de realização do tipo ou de seu reconhecimento. A motivação no 1º caso corresponde a ser possível reconstituir a estrutura do referente a partir de transformações, no 2º um significante é motivado quando está em conformidade com o tipo, e permite o seu reconhecimento. Enquanto o significante e o referente são comensuráveis, tal não acontece com o significante e o tipo, pois este é um modelo abstracto. Para se poder falar de motivação, tem de se verificar o respeito pelas 2 condições de transformação e de conformidade, sendo a transformação subordinada à conformidade. A semelhança passa a ser vista através da noção "objectiva" de transformação, mas supervisionada pela conformidade a um tipo. E aí pode ser a porta de entrada da dimensão cultural (aliás, é reconhecido que a instauração dos estímulos visuais em ícones remete para uma dimensão pragmática) . Dentro de cada cultura há ícones, mas não há ícones transculturais?

Algumas frases de Eco

Aqui ficam algumas frases ilustrativas de ECO, U. (1985). O Signo. Lisboa: Editorial Presença

“Cada signo pode ser assumido como um índice, um ícone, ou um símbolo, segundo as circunstâncias em que aparece e o uso significativo a que se destina” (p. 54)

“Não se pode distinguir entre signos motivados (como os índices e os ícones, que teriam ligações de semelhança ou continuidade com o referente) e signos convencionais ou símbolos. Também os índices e os ícones funcionam com base numa convenção que regula as modalidades da sua produção (ostensão, uso de parte do objecto, translação ou projecção) de uma impressão perceptiva …“ (p. 54)

Friday, February 23, 2007

Prolegómenos a uma reflexão


Dado que vem no seguimento de algumas questões abordadas anteriormente, vou debruçar-me sobre a questão do signo icónico. Tendo sido estabelecida a problematicidade do estatuto icónico, nomeadamente com base na convencionalidade da semelhança, processo em que U. Eco tem um papel importante, o Grupo μ propõe-se, em contrapartida, tentar "salvar" o signo icónico. Será isso possível? Qual a proposta do Grupo μ?
Comecemos pela posição do problema da iconicidade. Dada a dificuldade de estabelecer os princípios da semelhança (isomorfismo, homologia) que permite dizer que o ícone é uma cópia do objecto que significa iconicamente, o Grupo μ propõe que a relação de iconicidade, retomando a perspectiva de Goodman que distingue semelhança de representação, seja pensada, não como cópia, mas como reconstrução (p. 127). Para não diluir a iconicidade na relação geral de significação, que o conceito de representação instaura (qualquer coisa pode representar qualquer coisa, acrescida da arbitrariedade da relação), para assegurar (cientificamente) uma "semelhança de configurações" entre ícone e objecto há que mostrar que:
1 O ícone não é o objecto (i.e., tem uma natureza semiótica, o que corresponde à primeira baliza a evitar, que seria a dissolução do conceito de signo)
2 Há uma estruturação dessas diferenças no plano da significação icónica (segunda baliza a evitar, que seria a dissolução da perspectiva semiótica pois qualquer objecto tem qualquer semelhança com outro e portanto tudo remeteria indistintamente para tudo).
Que estratégias são usadas?
Ao nível da relação introduzem-se as dimensões da produção e da recepção do signo icónico como factor fundamental para poder descrever a iconicidade(p. 128). O modelo deve ser suficientemente forte para "permitir descrever tanto a recepção dos signos (e portanto a produção da referência) como a sua produção" (p. 129). Daí virá o conceito de transformação. O signo icónico é produto de uma transformação de um modelo cuja responsabilidade pela imagem icónica é do modelo (I1) e do produtor (I2). O receptor interpreta I1 e I2. Está em presença de uma estrutura mediadora e é ele próprio mediador. O signo icónico remete para o modelo do signo e para o produtor do signo, que se reconhece também com o signo. Ex: Reconhece-se as brumas e Turner que as pintou, ie, reconhecem-se como as brumas de Turner.
Há também uma redefinição do conceito de objecto como um referente, criticando as perspectivas anteriores que confundiam na noção de designatum ou significado icónico o tipo (classe de objectos) e o referente (a actualização do tipo mas não uma coisa anterior à semiose).

O modelo do signo icónico é um triângulo entre Referente, Tipo e Significante, com relações entre cada um dos vértices. Como são caracterizados?
Referente: é um designatum actualizado, é o objecto como membro de uma classe, cuja existência é validada pelo Tipo. É particular e tem características físicas. Não é um objecto ao modo do realismo ingénuo, é um "obecto culturalizado" (p. 130)
Tipo: é uma classe e tem características conceptuais. "É um modelo interiorizado e estabilizado que, confrontado com o produto da percepção, está na base do processo cognitivo". Garante a equivalência entre significante e tipo, que estão numa relação de cotipia. O conjunto dos paradigmas que compõem um tipo não tem um número fixo, basta que autorizem o reconhecimento do tipo, por redundância.
Significante: "conjunto modelizado de estímulos visuais correspondendo a um tipo estável, identificado graças a traços do signficante e que pode ser associado a um referente reconhecido como hipóstase do tipo; tem com o referente relações de transformação" (p. 137)

Como são pensadas as relações entre estes vértices?
Significante ↔ Referente
Esta relação está ausente no modelo linguístico. Os dois termos, espaciais, são comensuráveis. É nas transformações (geométricas, analíticas algébricas e ópticas) que se funda essa comensurabilidade. As operações de transformação devem ser tomadas nos 2 sentidos quer se trate de recepção, quer se trate de produção.
Referente ↔ Tipo
Os elementos recolhidos do referente estabilizam o tipo. Do tipo ao referente, operação de teste de conformidade.
Tipo ↔ Significante
Realização do tipo (diferente da transformação) ou, em sentido inverso, reconhecimento do tipo. O reconhecimento de um tipo a partir de um significante é sempre conjectural.
Como se caracterizam os processos de produção e de recepção de signos icónicos?
A emissão de signos icónicos é a "produção, no canal visual, de simulacros do referente graças a transformações aplicadas de tal modo que os seu resultado é conforme ao modelo proposto pelo tipo correspondente ao referente (cotipia)" (p. 141). A recepção de signos icónicos "identifica um estímulo visual como procedendo de um referente que lhe corresponde através das transformações adequadas" (Ibidem).
O núcleo da iconicidade, do lado da recepção, é o reconhecimento no significante do objecto transformado, em conformidade com um tipo. Ao fazer-se esse reconhecimento (que se pode verificar certo ou errado), temos um signo com função icónica.