Friday, February 23, 2007

Prolegómenos a uma reflexão


Dado que vem no seguimento de algumas questões abordadas anteriormente, vou debruçar-me sobre a questão do signo icónico. Tendo sido estabelecida a problematicidade do estatuto icónico, nomeadamente com base na convencionalidade da semelhança, processo em que U. Eco tem um papel importante, o Grupo μ propõe-se, em contrapartida, tentar "salvar" o signo icónico. Será isso possível? Qual a proposta do Grupo μ?
Comecemos pela posição do problema da iconicidade. Dada a dificuldade de estabelecer os princípios da semelhança (isomorfismo, homologia) que permite dizer que o ícone é uma cópia do objecto que significa iconicamente, o Grupo μ propõe que a relação de iconicidade, retomando a perspectiva de Goodman que distingue semelhança de representação, seja pensada, não como cópia, mas como reconstrução (p. 127). Para não diluir a iconicidade na relação geral de significação, que o conceito de representação instaura (qualquer coisa pode representar qualquer coisa, acrescida da arbitrariedade da relação), para assegurar (cientificamente) uma "semelhança de configurações" entre ícone e objecto há que mostrar que:
1 O ícone não é o objecto (i.e., tem uma natureza semiótica, o que corresponde à primeira baliza a evitar, que seria a dissolução do conceito de signo)
2 Há uma estruturação dessas diferenças no plano da significação icónica (segunda baliza a evitar, que seria a dissolução da perspectiva semiótica pois qualquer objecto tem qualquer semelhança com outro e portanto tudo remeteria indistintamente para tudo).
Que estratégias são usadas?
Ao nível da relação introduzem-se as dimensões da produção e da recepção do signo icónico como factor fundamental para poder descrever a iconicidade(p. 128). O modelo deve ser suficientemente forte para "permitir descrever tanto a recepção dos signos (e portanto a produção da referência) como a sua produção" (p. 129). Daí virá o conceito de transformação. O signo icónico é produto de uma transformação de um modelo cuja responsabilidade pela imagem icónica é do modelo (I1) e do produtor (I2). O receptor interpreta I1 e I2. Está em presença de uma estrutura mediadora e é ele próprio mediador. O signo icónico remete para o modelo do signo e para o produtor do signo, que se reconhece também com o signo. Ex: Reconhece-se as brumas e Turner que as pintou, ie, reconhecem-se como as brumas de Turner.
Há também uma redefinição do conceito de objecto como um referente, criticando as perspectivas anteriores que confundiam na noção de designatum ou significado icónico o tipo (classe de objectos) e o referente (a actualização do tipo mas não uma coisa anterior à semiose).

O modelo do signo icónico é um triângulo entre Referente, Tipo e Significante, com relações entre cada um dos vértices. Como são caracterizados?
Referente: é um designatum actualizado, é o objecto como membro de uma classe, cuja existência é validada pelo Tipo. É particular e tem características físicas. Não é um objecto ao modo do realismo ingénuo, é um "obecto culturalizado" (p. 130)
Tipo: é uma classe e tem características conceptuais. "É um modelo interiorizado e estabilizado que, confrontado com o produto da percepção, está na base do processo cognitivo". Garante a equivalência entre significante e tipo, que estão numa relação de cotipia. O conjunto dos paradigmas que compõem um tipo não tem um número fixo, basta que autorizem o reconhecimento do tipo, por redundância.
Significante: "conjunto modelizado de estímulos visuais correspondendo a um tipo estável, identificado graças a traços do signficante e que pode ser associado a um referente reconhecido como hipóstase do tipo; tem com o referente relações de transformação" (p. 137)

Como são pensadas as relações entre estes vértices?
Significante ↔ Referente
Esta relação está ausente no modelo linguístico. Os dois termos, espaciais, são comensuráveis. É nas transformações (geométricas, analíticas algébricas e ópticas) que se funda essa comensurabilidade. As operações de transformação devem ser tomadas nos 2 sentidos quer se trate de recepção, quer se trate de produção.
Referente ↔ Tipo
Os elementos recolhidos do referente estabilizam o tipo. Do tipo ao referente, operação de teste de conformidade.
Tipo ↔ Significante
Realização do tipo (diferente da transformação) ou, em sentido inverso, reconhecimento do tipo. O reconhecimento de um tipo a partir de um significante é sempre conjectural.
Como se caracterizam os processos de produção e de recepção de signos icónicos?
A emissão de signos icónicos é a "produção, no canal visual, de simulacros do referente graças a transformações aplicadas de tal modo que os seu resultado é conforme ao modelo proposto pelo tipo correspondente ao referente (cotipia)" (p. 141). A recepção de signos icónicos "identifica um estímulo visual como procedendo de um referente que lhe corresponde através das transformações adequadas" (Ibidem).
O núcleo da iconicidade, do lado da recepção, é o reconhecimento no significante do objecto transformado, em conformidade com um tipo. Ao fazer-se esse reconhecimento (que se pode verificar certo ou errado), temos um signo com função icónica.

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